abril 07, 2012

ninguém vê o fruto sem se despedir da flor...

[fragmentos]

a partir de heraclito e gonçalo b. de Sousa

1.
toda a tua história
todos os teus caminhos
convergem num só instante vivido:

a alegria absoluta do sem-tempo
alumiando o corpo glorioso que
há-devir.

2.
a tua estrela é quando apolo passa:
quando os limites da tua noite
ascendem do chão  e se abrem à cordilheira
     das auroras.

3.
para a Vida, cada dia do nosso presente é uma explosão de agoras.

4.
sê devir por entre flores e afectos
por entre poemas e celebração
por entre o teu olhar e o abrigo de um companheiro.

5.
ninguém vê o fruto sem se despedir
da flor: o lento amanhã
no despertar das pétalas brancas.


6.
assim como deméter entregou a colheita das giestas,
assim tu entregarás à Vida os frutos da alegria
             e do amor pelas coisas simples.

7.
transporta sempre contigo uma espiga,
o amor de uma ninfa e o som da tua voz
- breve breve serás um deus aspirando à
                eternidade.


8.
no caminho das uvas
responde o deus descido
ao apelo das romãs:

alegrai-vos,
que as gazelas voam como estrelas
no céu aberto das minhas mãos.



9.
na forja do mundo se faz a Vida:
o carbono prepara a promessa do humano
e o que resta do deus adormece no caos
iniciático da garça.


10.
eu contemplo o verde
na promessa crepuscular
dos deuses da manhã.




11.
se desejas, como morrerás?
entrega o que for de deus à lama
que criou o mundo

e ser-te-á dada a promessa oracular
       da orgia.




12.
que mais temes?

os gritos das mulheres
no alto das montanhas

o sacrifício do borrego
ao deus sujo das estradas

o soletrar do teu próprio nome
- o teu forte, sujo, iluminante
desejo de dizer:

eu sou.




13.
sê o deus
que abre os mundos ao mundo

e transforma o ferro
na luz incendiária da estrela maior.




14.
"O Messias interrompe a História; o Messias não surge no final de um desenvolvimento" (Walter Benjamin)


ouves a voz do messias:
escondido que está na ombreira
do momento?

eu ouço:
vivo e olho o mundo
no olhar renovado

da minha presença.





15.
repara em parménides:
como dos seus gestos
se prepara
a Ideia que há-de ser.

16.
vem banhar-te na orla do rio,
ó minha amada,
e esquece o que disse o filósofo:

que serás tu, e não os astros,
a permanecer como estrela
na névoa dourada do horizonte.


17.
só os deuses são grandes!
do mito criaram
as águas puras da alegria

e do movimento das folhas
todo o meu amor por ti
ó humanidade nascida do ventre
das estrelas!



Jorge Vicente (1974), poeta de 35 anos do Algueirão, sempre se interessou por poesia, escrevendo desde os 10 anos. Desde 2002 tem participado em antologias e activamente na Lista de Discussão Encontro de Escritas. Publicou na antologias: www.3poetasemleiria.pt (Escola do Espectador, 2002) que teve como autores José Gil, Constantino Alves e Don Lackewood, pseudónimo de Jorge Vicente; Antologia de Escritas (Encontro de Escritas) com organização de José Félix, onde participa nos seis números editados desde 2004; A Bic(a) (Folheto Edições & Design, 2005) pela. Colecção 25 poemas – N.º XVII (autores José Gil, Constantino Alves e Jorge Vicente); Antologia Amante das Leituras (Edium Editores, 2007); 10 Rostos da Poesia Lusófona (H. P. Comunicação Editora, 2007); 10 Rostos da Poesia Lusófona 2 (All Print, 2008); Antologia Amante das Leituras 2 (Edium Editores, 2008); Antologia Amante das Leituras 3 (Editora Amante das Leituras, 2009); Antologia Entre o Sono e o Sonho, Vol. 2 (Chiado Editora, 2009). Site: http://jorgevicente.blogspot.com. Obras a solo: Ascensão do Fogo (Edium Editores, 2008).

21 comentários:

  1. Encantada com sua Poesia !
    Rosa Clemente

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  2. Obrigado, cara Rosa!

    Muitos e muitos abraços!
    Jorge

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  3. Maravilhoso o seu poetar,
    parabéns,
    Eliana Crivellari

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  4. Voltei para acrescentar,
    além de poeta, você é um gigante na filosofia,
    brilhe sempre,
    Eliana Crivellari

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  5. Querido Amigo. obrigada por estar conosco, e que sua presença seja constante: Literacia é tb. sua, venha quando quiser, se possível: sempre.
    Bjs, ana

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  6. Eis aqui um Poeta Maior!
    Maria Zélia[ leitora assídua de Literacia]

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  7. Jorge, que belo poema. Com muitas nuances, rico em significados!
    Abraços!

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  8. Tem um elevado tom filosófico -característica de sua poesia, tornando-a única!

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    1. Obrigado, grande Camarada!

      Para além do tom filosófico, tem sempre o tom vivencial e a necessidade de reconstruir o nosso mundo. E para reconstruir precisamos de ir muito, muito atrás até Heraclito.

      Milhares de abraços!
      Jorge

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  9. Respostas
    1. Querida amiga,

      muito obrigado!!!

      Muitos, muitos beijos e abraços!
      Jorge

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  10. Como sempre meu Querido Amigo fiquei "encantada"
    Grata por esta partilha. Por te partilhares!
    Um abraço,
    Lua Sofia

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  11. São muito belos estes "fragmentos" de um todo que tem tudo dentro, obviamente.:0)Tu, amigo Jorge, usas as palavras, de um modo muito pessoal e criador que recria e amplia o seu significado. A tua Poesia, aborda, por vezes, questões filosóficas que fazem pensar este ser uno e múltiplo que sou. Além disso, tratas a unidade e a permanência, perante a pluralidade e a mudança, com uma beleza que escapou aos gregos.:0) Sinto que a tua Poesia procura atingir o Ser das coisas, criando uma ponte entre o que elas são e os seus movimentos e processos. Parabéns, amigo!
    Um grande abraço
    Maria João Oliveira

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    1. E eu agradeço-te muito, minha querida Amiga, por sentires e entrares bem no fundo da minha Poesia. Agradeço-te muito por isso.

      Que o Uno e o Múltiplo Sejam sempre em nós.

      Muitos beijos e abraços
      Jorge

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  12. Muito obrigado,

    querida Eliana! Muitos abraços meus
    Jorge Vicente

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  13. Maravilhosa Ana,

    milhares de abraços para si!!!

    Jorge

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  14. Nunca me desiludiste, Poeta Maior! :)))

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  15. Um abraço forte e amigo ao super-herói das letras! E como elas se juntam de formas sempre novas na tua escrita... «:)

    Ana Castelo

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  16. Obrigado, muito obrigado, minha amiga!

    Milhares de abraços!
    Jorge

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